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segunda-feira, 19 de abril de 2010

O CASAMENTO ME ESTRAGOU




Há quem duvide...

Experimentar um casamento de mais de dez anos estragou minha personalidade. No bom e mau sentido.

Não sei mais namorar, somente casar. Um guichê de cartório segue aberto em minha respiração.

Estou preparado para ambientes de crise e de briga, discutirei diante da mínima frustração, não aceito aguardar a reconciliação da manhã seguinte. O sofá já é rua.

Fiquei desesperadamente exigente e prático. Anseio por resultados, provas e atitudes que não me permitam duvidar do que sinto.

Claro que estou errado, o desejo é cheio de erros.

Não suporto o dizquediz, o nãoseioquê, o faleoqueestápensando do namoro.

No casamento, não há votação, há antecipação. É ter uma única chance e não se desmerecer. Confiar na escolha, escolher e ser escolhido.

Não se pergunta se a companhia gosta, arrisca-se. Casamento se faz com temperamento; namoro, com delicada concordância.

O respeito é insistência. Não existe recuo no amor, amar é se fixar. Uso os próprios ossos em cadeira e apoio, não reclamo quando arrebentam.

Somos reis, somos rainhas, somos súditos do que o outro imagina e do que imaginamos no outro. Não sobra tempo para incertezas, recompor e cuidar da carreira.

É expectativa sobre expectativa - tem gente que logo pede para sair. Arrebatamos e logo estamos endividados. Não cobramos tão entretidos em surpreender novamente.

Em conversa de pescador, meu avô explicava que o mar é um imenso tédio para quem procura peixes, deve-se procurar unicamente o mar e o cardume não deixará de vir.

No casamento, não desperdiçamos a sexta, a tarde junto, é tudo ou nada, toda folga é uma lua-de-mel. Um dia lindo e vamos para a serra, assim como as roupas vão para o varal. Simples como comer laranja de pé.

A paternidade também me agravou. Aproveito os cantinhos da casa, os cantinhos da memória. Os cantinhos para improvisar uma nova estante de brinquedos, de livros e um espaço para pôr a bicicleta. Qualquer passo dado é sustentar os filhos. Não posso mais fracassar - é um luxo, a gravidez nunca termina em meu corpo. Era anárquico até ser pai, agora sou careta e não sofro com isso.

Entendo o que me incomoda, o que não pára de me incomodar. Amar é como moedas na carteira, nunca descubro ao certo a quantia que carrego e me decepciono e me deslumbro com aquilo que acho.

Criei hábitos irreversíveis, não irei mudar, coloco os tênis sem as mãos, dobrando o couro com os calcanhares.

Casar é doação; a maioria desiste, a maioria se entrega, a maioria cede, o que não é a mesma coisa. Ama-se o próprio amor sem esquecer de amar o amor dela sem esquecer de amar o encontro desses dois amores.

Se surpreendo, quero ser surpreendido. Não tem moleza. Não tem desculpa. Quero flores, quero prato predileto, quero sair para dançar e ser levado no colo da boca, quero voltar para casa com bilhetes, quero ingressos num envelope debaixo de uma porta, quero arder como o mais amado dos amados.

Um homem casado é - no fundo e no raso - uma mulher romântica.

Meu amor eu pago



Não conheço apaixonado avarento

Não combina, não tem sentido.

Apaixonado não cobra recibo, não solicita nota. Cultiva as férias em horário de trabalho. Empenha o 13º em abril. Compra roupas, presentes, perfumes. Está sempre com uma sacolinha a tiracolo. Patético, aniversaria com meses de antecedência.
O apaixonado é um perdulário inato. Gastará o que não recebeu, enganará o limite de uma conta com a outra, jogará alto blefando ou com mão boa.

Ele não seduz, pede falência.

Quando está amando nenhum homem enriquece. Não há como guardar qualquer coisa procurando agradar uma mulher e a si. Ele esconde o que não tem para poder mais. Sua desinformação é taquicardia. Chama da adega o vinho mais caro, não brigará com garçom pelo erro da conta, será simpático com o arredondamento dos preços. Dá gorjeta para mendigo que guardou sua sombra. Esquece de tirar o extrato bancário por semanas (Desconfie: se algum apaixonado tira o extrato está fingindo).

Cada vez mais me reconheço como um retrógrado. Pode me chamar de qualquer coisa, menos de transgressor, que não combina com a minha barba grisalha aos 36 anos. Sou um vetusto. Velho é pouco para minha intransigência.

A companhia feminina não pagará a conta. Inegociável. Meu pai, meu avô, meu bisavô dentro de mim me empurram a abrir a carteira e deixar de frescura.

Mesmo não tendo sido convidado, sou eu que pago. Machismo, mas machismo com ternura.

É nada sedutor quando um homem estabelece a partilha na calculadora do celular. Cobra inclusive os centavos de sua parceira. É quebrar mais do que os números. É antecipar o divórcio antes do juiz.

Já escuto você se defendendo: estou duro, o que faço? Ora, fica em casa.

Vexame é depender de favor. Melhor faltar crédito no banco do que com ela. Melhor um título protestado do que a própria masculinidade. No amor, a mentira é a primeira verdade. Crio um fiador na hora, solto um cheque voador e depois encontro um jeito dele pousar na plantação de joio.

Em restaurante paulista, no momento de abrir a tabuleta, amigo rascunhou a soma e reivindicou a metade exata para sua namorada. Ela não tinha, ele completou. Ufa!, suspirei, até que ouvi:

- Amanhã você me devolve trinta reais e cinqüenta centavos.

Como transar romanticamente depois das taxas? Como namorar e flertar após recriminação do orçamento?

Quem divide a conta não divide a vida. Algo será cobrado no dia seguinte. A desconfiança tem juros.

Homem descobriu no avanço dos hábitos uma forma de prosperar sua avareza. Estou fora do feminismo de fachada. Um feminismo barbudo.